REFLEXÕES ENTRE A TERRA E O ESPAÇO

Qual é o seu espaço?
Marcos Pontes
16/12/2005

O barulho da cidade ficou para trás. No momento, só a calma da fazenda, o vento suave, o cheiro de mato e o ritmo dos grilos. Noite estrelada. Lua cheia. Deitado sobre o teto do carro, observo a imensidão cintilante do céu. Logo ali, quase ao alcance das mãos. Penso no que tudo isso significa. Quem somos nós? O que fazemos por aqui? O que realmente representamos como parte desse universo? Afinal, o que é todo esse “espaço” que nos envolve?
A mente viaja. Velocidade, movimento. Nada está absolutamente parado. Lembro do nascer e do pôr do Sol. Imagino a dinâmica do nosso planeta. Rotação, translação, vertigem. Como somos pequenos nessa escala! Estranho perceber que o “nosso mundo”, onde normalmente vivemos toda a nossa vida, representa apenas cerca de 1% do raio dessa grande “esfera”*** . Mais ou menos como viver na “casca de um ovo”. Você já parou um minuto para pensar sobre isso? Embarcados nessa espaçonave chamada Terra, viajando juntos pelo espaço a mais de 100.000 km/h, todos nós somos, de certa forma, astronautas. Descuidados astronautas. Poucas vezes nos damos conta do nosso incrível movimento. Muito menos da nossa incrível fragilidade perante às dimensões do nosso pequeno planeta e dos gigantes corpos celestiais, entre os quais navegamos no espaço. Tripulantes sem experiência nessa nave tão antiga, cuidamos mal dos nossos sistemas. Diariamente ampliamos desordenadamente o sistema de processamento de dados e comunicações internas. O sistema de geração de energia passa por várias análises e estudos de projeto. Porém, enquanto as novas versões, mais inteligentes e limpas, não são implementadas comercialmente, os setores da nossa espaçonave que mais consomem energia acumulam enormes vazamentos, poluindo nosso ambiente vital e desperdiçando quantidades enormes dos poucos recursos que temos a bordo. Além disso, esses mesmos setores comprometem alguns dos sistemas essenciais para a manutenção de vida e revestimento de proteção. Apesar de tudo isso, quando perguntados, preferem ficar fora de qualquer operação conjunta de limpeza. Infelizmente esses setores estão exatamente no módulo de comando, o que acarreta diversos atrasos nos procedimentos de manutenção. Talvez seja necessário transferir os equipamentos de comando para outro módulo, antes que essa demora transforme procedimentos de manutenção em emergências. Enquanto isso, deteriora-se nosso frágil revestimento, chamado “atmosfera”, que nos protege de radiações fatais e dos impactos diretos de pequenos meteoritos.
Embora um tanto preocupado com nossa espaçonave, volto novamente minha atenção ao espaço. Afinal, talvez lá estejam ótimas soluções. Olho atentamente pela grande janela de nossa nave. Estrelas, mistérios, desafios. Imagino a relação espaço-tempo. Estranho o fato de que, ao olhar para a luz de cada uma dessas estrelas, estamos na verdade olhando para muito além, no passado. Pensar que essa mesma luz, essa energia, foi gerada em sua estrela de origem, muitos anos atrás. Isto é, a “situação atual” lá fora pode ser muito diferente do que podemos ver nesse exato momento. Afinal, a luz não é assim tão “rápida”, e demora muito tempo para viajar de uma determinada estrela até aqui! Para nós que estamos acostumados a relacionar o que “estamos vendo”, nas referências normais de distância da nossa “casca de ovo”, com o instante presente, esse atraso não parece muito “normal”. Realmente nossa noção de tempo e distância é muito restrita perante às escalas do universo, incluindo nosso próprio tempo médio de vida. Ainda com essas relações em mente, surgem então as duas questões básicas: como isso tudo começou e para onde estamos indo? Bem, essas nós não temos, literalmente, nem o tempo e nem o espaço necessário para responder aqui. Ainda bem, pois qualquer resposta seria composta, em grande parte, de “chutes calibrados”. Cientificamente chamados de “hipóteses”, eles incluem considerações sobre “Big-bang”, universo em expansão, relações universais e muitas outras coisas. Mas, ainda longe de respostas definitivas, pensemos nisso quando estivermos na sala de espera do chefe para falar sobre o aumento prometido no ano passado.
De qualquer modo, o fato é que somos uma espécie que sempre teve a necessidade intrínseca de “conhecer o desconhecido”. Expandir os seus limites. Constantemente, como o nosso próprio universo. Esse sentimento foi o principal responsável por nos tornarmos o que somos hoje como seres humanos. Aventurar-se a encontrar novos continentes, ciência, arte e tecnologia. Superar nossa fragilidade física em ambientes hostis e melhorar a qualidade de vida no nosso planeta. Ir muito mais além, buscar, e um dia descobrir, na imensidão do cosmos, as respostas às questões do nosso próprio universo humano. Aquele que existe dentro de cada um de nós. Um universo magnífico que, a exemplo desse espaço que nos envolve, também é regido por sincronismos e leis naturais de extrema beleza das quais ainda pouco sabemos mas, algumas vezes, traduzimos simplesmente por “Deus”.
Então, quando chegar esse dia, estaremos olhando para esse mesmo céu cintilante, sabendo exatamente qual é o nosso espaço, isto é, sabendo quem somos, o que fazemos aqui e o que realmente representamos nesse mundo.



*** Considerando-se uma “atmosfera densa” com cerca de 60 km de espessura e o raio da Terra com aproximadamente 6.000 km.